quarta-feira, 15 de abril de 2009

A INÉRCIA DE UM FUNCIONÁRIO PÚBLICO, A OMISSÃO DE UM GESTOR, E A DOR DE UM PAI DIANTE DA IMINENTE FALÊNCIA DA EDUCAÇÃO PÚBLICA.






A 26 anos e 08 meses iniciava uma carreira como funcionário público, a princípio, como celetista trabalhando em secretaria de escola, posteriormente como professor concursado e, mais recentemente, exercendo um cargo comissionado de Diretor de Escola.
Desde o inicio da carreira, se, se pode chamar de carreira, uma trajetória no serviço público, as pessoas me diziam, principalmente na Universidade, que a educação pública vinha sofrendo um processo de sucateamento que, estava tornando o ensino público e “gratuito” coisa para pessoas que não tinham recursos para colocar seus filhos em Escolas Particulares. Escutei muito, também, como forma de denegrir a Escola Pública, coisa do tipo “na escola pública o governo finge que paga, o professor finge que ensina e o aluno finge que estuda”.
Confesso que não acreditava que o ensino público, outrora respeitado, e o professor um emprego invejável, chegassem aonde chegamos. Confesso que sempre acreditei que seria possível ter uma escola pública digna, comprometida e respeitada. Respeitada pelos governantes, respeitada pelos profissionais que atuam nela, respeitada pelos alunos e pela comunidade. Falar da “bandalheira” dos governantes que não tem e nunca tiveram a educação pública como prioridade, estou cansado de falar, estamos cansados de saber da podridão das licitações para construção e reformas de escolas, compra desonesta de material e merenda escolar, funcionários fantasmas, professores nos gabinetes e em casa, mas, chegou a hora de fazer uma autocrítica, “de cortar a própria carne”, como faziam os membros de algumas tribos americanas quando morria algum parente.
Não chegamos numa encruzilhada, sempre estivemos, nesses últimos anos, numa encruzilhada. Custei a acreditar, mas o processo de sucateamento, tão propagado pelos colegas de universidade, realmente existiu e se processou com a conivência e apoio dos governantes. Um monstro sem cabeça, sem braços, sem pernas foi criado e autofagicamente vem engolindo todos os trabalhadores em educação pública, pois, nos moldamos ao sistema, fomos “vampirizados” pelos anos contínuos de aceitação e convivência com os desmandos que culminaram no que está posto.
Como professor, sempre ouvi, e percebi, que estávamos perdendo aos poucos o único bem que nos restava, a dignidade. Perdemos, através dos anos, solapados pelas crises, pelas más administrações e pela falta de compromisso com a educação, o direito a um salário digno de professor, restou-nos apenas a origem do termo, o sal, que em tempos remotos servia para pagar o trabalho, ou moeda de troca. Para nos tornar iguais, via e ouvia nos corredores das escolas onde passei coisas do tipo: “fulano não ministra aulas”, “beltrano falta constantemente”, “cicrano está pouco ligando para os alunos”, o que importa é receber o “salário” no final do mês, pois cada um tem o “padrinho”, que merece, ou simplesmente via, ouvia e sentia, na minha omissão ilícita que o gestor da escola não aparecia, os funcionários não apareciam, muitos estavam em casa recebendo sem trabalhar, porque os fulanos, beltranos, cicranos da vida tem que aparecer.
Como gestor, apadrinhado pelo sistema, pois nós todos, indicados, que gerenciamos órgãos públicos somos, vivi e vivo toda sorte de desrespeito, irresponsabilidade, negligência, e crimes perpetrados contra a educação pública. Afora os explicitados acima, que criminosamente incide sobre a vida dos filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras, por extensão nossos próprios filhos e filhas, outros tantos crimes são cometidos à luz do dia, à luz da pseudo intelectualidade, a sombra da noite sem pudor, sem escrúpulos, sem dó nem piedade daqueles que pagam, com o suor e sangue diário, impostos, e se utilizam, sem opção, dos serviços públicos. São faltas constantes de professores e funcionários que chega a doer na alma, na carne, nos brios e no orgulho. Não tem uma única semana para não faltar um servidor na escola, é raro o dia para não faltar um professor na sala de aula e, pior ainda, aulas perdidas, são aulas perdidas para sempre na maioria dos casos. Chego a computar 30% de aulas totalmente perdidas durante o ano, para não falar da negligência com relação a falta de projetos de cursos, planos de aula, planejamentos, acompanhamento, aulas propriamente ditas, enrolação e “embrometion” como dizem os alunos, para não falar nas reposições de mentira, feitas nas salas de vídeo com filmes que não tem nada a ver com o conteúdo, com reposições em que o professor está em dois lugares ao mesmo tempo, contrariando a lei da física que ele próprio às vezes ensina, ou reposição do tipo enviar um exercício, passar um ”trabalho”, ou simplesmente registrar, afora outras formas canhestras da provocar um engôdo proposital e, ‘”isso tudo acontecendo e eu aqui na cadeira alcochoada do gabinete de diretor dando milho aos pombos”, omisso, patético, conivente, impotente e inoperante, “com a boca escancarada e cheia de dentes esperando a morte chegar”, inclusive aceitando e acatando as ordens desconexas que vem de cima e as aberrações que vem de baixo.
Como pai de aluno que estuda em escola pública, perceber coisas aviltantes, viver coisas ultrajantes, como do tipo em que o professor marca uma reposição, os alunos comparecem vindo inclusive do interior, e mesmo na reposição o professor falta, ou viver, no dia a dia da escola a negligência criminosa de colegas que estão prejudicando o futuro não só de um seu, mas de todos que precisam dividir as migalhas de saber daqueles que pouco aparecem para cumprir com suas atribuições profissionais, para cumprir um dever de cidadão e de ser, imbuído de um mínimo de humanidade. Saber que seu filho, e outros filhos e filhas de trabalhadores estão perdendo uma oportunidade impar de conhecer o mundo, de compartilhar conhecimentos, saber e ver diariamente seu filho e outros filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadores vir à escola e ter apenas uma ou duas aulas por dia e voltar para casa sem trabalhar os conteúdos programáticos, sem discutir em sala de aula os saberes do povo, os saberes da humanidade porque o professor não veio, porque o professor não vem amanhã, porque não tem ninguém que tenha a coragem de gritar para o mundo que estão jogando no lixo mais uma geração. Choro por mim, choro por meu filho, choro pelos filhos e filhas do povo que estão sendo “manietados” pelo nosso despudor e cegueira, pela minha omissão e aceitação criminosa dos erros propositais perpetrados por alguns professores.
Fomos ludibriados, engolimos todas as iscas que nos deram, nos tornamos iguais. O objetivo do sucateamento atingiu não só a parte física das escolas, atingiu em cheio nossas almas, nossas idéias, nossas ideologias, nossa dignidade. O desmonte foi ainda maior, hoje, estamos a serviço dos grupos dominantes sem nos apercebermos, pois quando não lutamos para dividir um mínimo de conhecimento com os nossos iguais perdemos a chance de formar “soldados” que lutem pelas nossas causas, pelas causas de todos, pelas causas do povo. Tudo isso, se tornou um jogo em que é cada um por si e ninguém por ninguém. Para comprovar isso bastou observar a última greve, diga-se de passagem, diga-se sempre, justa dos professores, para perceber que não temos o apoio da população, não temos o apoio dos estudantes, não temos o apoio dos nossos iguais, pois não estamos formando iguais, estamos cindindo, provocando mais divergências sociais, aprofundando as diferenças políticas e econômicas, ao virarmos as costas para aqueles que precisam desesperadamente de conhecimentos elaborados para romper com um histórico pernicioso de divisão social.
Afora todos os enunciados acima, quando restava uma esperança, quando parecia que venceríamos o medo, quando lutamos e vencemos por mudanças, eis que tudo está se encaminhando para o mesmo “gran finale”, pois, encastelados no poder permanecem os velhos saudosos do clientelismo e os neofeitores do empreguismo e do continuísmo. A mesma política de conchavos e alianças espúrias que coloca como moeda de troca a educação pública na cúpula e nos escalões inferiores; Os mesmos disparates que comissiona um sem número de privilegiados que não tem nada a ver com educação, que retalha a Educação Pública com “apoiadores” delegando-os poderes de vida e morte nas DRE’S; A mesma práxis de outrora que evidencia os órgãos gestores máximos em detrimento do chão da escola, em detrimento da sala de aula. Até quando? Até quando os bons profissionais serão tratados a pão e água? Até quando um repressor médio ou superior valerá mais que um educador, um conscientizador, um mediador de palavras, conhecimentos e idéias que poderão mudar, de verdade, o mundo?
Sei que a luta deve continuar, embora “esteja jogando a toalha”, percebo que a discussão sobre educação pública deve ser centrada na escola e deve ter como foco principal a sala de aula e não os gabinetes refrigerados dos órgãos gestores. Sei que profissionais responsáveis e comprometidos com a educação ainda existem, e devem ser bem remunerados, muito bem remunerados, como são os juizes, promotores e outras categorias profissionais, mas, jogar embaixo do tapete nossos erros e nossas omissões é tão perigoso quanto a inoperância e desmandos dos vários governantes que estiveram no poder e levaram a educação pública a um estado de iminente falência.
Prof. Luiz Carlos dos Santos
07/04/2009

 
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