quinta-feira, 12 de novembro de 2009

DECÊNCIA E CANALHICE PODEM NÃO DEPENDER DE LEIS


O Grito - Edvard Münch.

Publico, abaixo, um texto do Professor Valteno, grande amigo e defensor ferrenho das causas libertárias.

DECÊNCIA E CANALHICE PODEM NÃO DEPENDER DE LEIS
Todos sabemos, o mundo já foi politeísta. Acreditava-se em vários deuses ao mesmo tempo. Tempos (de total ignorância) em que se vivia em pleno miserê e que nada se sabia explicar; por isso, elegia-se um deus até para justificar por que nasce uma planta – deusa da fertilidade.
Há passados 2009 anos do início desta Era, que tem seu marco com o nascimento de Cristo, por isso se denomina Era Cristã, reis e imperadores e toda a gente se dedicavam a uma diversidade de deuses, para os quais doavam carneiros, ouro, oferendas diversas – até filhos primogênitos eram ofertados em sacrifício aos tantos deuses.
Mesmo de antes do alvorecer desta Era chamada Cristã, lá na Antiguidade, já se tinha fixado nas atitudes das comunidades e de nações (Vide Grécia Antiga e Império Romano) a noção de certo e de errado; ou seja, tem-se aí o ontológico conceito de Ética.
Na verdade, e em verdade, as normas que hoje regem e norteiam as relações sociais todas do nosso quotidiano são mesmo derivadas dos costumes. E os costumes, que se espraiam nos hábitos sociais das coletividades, são frutos diretos, lisos e retos do senso ético daquilo que a maioria entende por Certo, bom e correto. Somente depois, tal costume, tal hábito, este ou aquele ato, tidos como éticos, já incorporados à vivência social, são arregimentados pelas instituições, autoridades e, especialmente, pelo Poder Legislativo, para serem transformados em norma jurídica, em lei.
Assim, o que então era sobretudo uma atitude moral, converte-se adiante em descrição legal do como o governante e os governados devem agir. Tem-se, de tão modo, o famigerado binômio moral versus legal. O certo é que, no fundo, não se contrapõem esses valores, eles não se dispõem em face de suposta adversidade, pois que, em Poço Verde e no Brasil, e desde a Roma Antiga, o legal há de ser sempre e ordinariamente derivado do moral (exceto na lendária história de Calígula).
Por exemplo: matar já foi ato normal, quando vigia a Lei de Talião, tempo em que toda a sociedade assimilava como correto que haveria de morrer quem matasse, que devia ser agredido quem agredisse (“Olho por olho, dente por dente”). Isso se deu até que a sociedade construiu outro conceito ético, outra moral sobre o valor vida. Tomando, em parte, essa ética de Talião, Platão estabeleceu, em sua A República, um universo em que devia ser condenado à morte o líder governante que tomasse como particular o bem do povo, da coletividade. Ou que de alguma forma se corrompesse e/ou se desviasse do interesse público. A questão escravocrata também nos traz reflexões reveladoras nesse tocante. No Brasil, até 12 de maio de 1888, era possível e legal escravizar negros famintos, sob o raio de todo tipo de tortura, inclusive o pelourinho; porém, no dia 13/05/1888, vinda a famigerada Lei Áurea, devido às muitas manifestações de clérigos, jornalistas e poetas como Castro Alves, e também a questões políticas ligadas à Corte inglesa, a escravidão negra no Brasil que foi sendo entendida como anti-ética, imoral, tornou-se então ilegal.
A estúpida ditadura militar, que tomou conta do poder no Brasil entre os anos 1964 e 1985, impôs um conjunto de regras, em que até expulsar pessoas do país, torturar e matar eram coisas legais. É patente que tais atos eram imorais, antiéticos, cruéis e desumanos. E vinda a Constituição Federal de 1988, tal imoralidade e tal desumanidade foi descrita também como ilegal.
De tal modo, percebemos que aquilo que afeta os interesses gerais da sociedade e de toda a coletividade constitui-se em atitude/ato imoral, anti-ética, apesar de tida como legalmente possível; podendo logo no outro dia tornar-se ilegal, nem sempre por causa de uma representação judicial, mas às vezes em função de uma passeatas, de uma greve, ou em virtude de qualquer outro levante social, que questione o poder e sua legitimidade em usar a máquina administrativa, para locupletar interesses familiares e/ou de grupos.
O nepotismo (entronar parentes nas funções públicas com gordos salários) já foi moda, e de tão comum e habitual, fazia-se regra; por conseguinte, era comportamento ético, moral e legal dos políticos. Entretanto, a Revolução Francesa que se deu em julho de 1789, já tivera como meta tal tipo de personalismo, de favoritismo, inclusive excomungando aos mil e um infernos a velha concepção e prática da hereditariedade.
Hoje, porém, a Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, ao estabelecer para a Administração entre outros os princípios da Impessoalidade e da Moralidade, busca vetar o uso do público para o interesse individual da autoridade; a Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, buscou restringir o favorecimento de parentes com cargos e funções públicos; a Súmula 13, tenta flagrar abusos e deslizes dos administradores, que insistem em aumentar a renda familiar, empregando muitos parentes nas funções dos órgãos públicos. Ou seja, muito se tem feito para tornar ilegal (o nepotismo) a mania que os administradores têm de usar as máquinas administrativas estaduais e municipais, para transferir prestígio, forjar candidatos e, principalmente, para rechear suas contas bancárias. Mas as brechas das leis permitem que os maus políticos celebrem o estúpido divórcio entre o que é moral e o que é legal, insistindo-se no nepotismo desnudo e descarado.
Quando seu amigo fizer isso condene-o; quando seu parente fizer, desaprove; quando você tiver oportunidade, faça-o diferente. Empregar na Administração mulher, cunhadas e cunhados, irmã, sobrinho, periquito, papagaio, cão, gato nunca foi símbolo de decência governativa, ainda mais nesse país com tamanha necessidade de fazer circular a sua receita, para amenizar as agruras das tantas famílias sobremaneira carentes.
Texto do Prof. ZÉ VALTENO
 
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