sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Escrever para não morrer... Ou morrer.



Encontro-me numa encruzilhada.
Todos nós, vez por outra, ou todas às vezes, nos deparamos com uma bifurcação. Chamo a isso, muitas vezes, de crise existencial, para alguns frescura pura, para outros, do contra, desejo de poder, e ainda posso dizer que podem chamar de a coragem que nunca tive se conflitando com a covardia que sempre se apossou de mim. Mas, de qualquer forma é uma encruzilhada, e a única opção é escrever para não morrer... Ou morrer.
Escrever sobre o que? Sobre o pequeno universo que me circunda, minha urbe, o pequeno mundo que mal consigo enxergar com a luneta gasta ponto 47. O que vejo, o que muitos vêem, sem a hipocrisia ufanista do político da situação que acha que está tudo bom enquanto cai o último pedaço de muro da insensatez.
Falar de que, se não for da cidade entregue literalmente aos ratos, traças e baratas. Falar das ruas sujas, das praças mau reformadas, rotas e sem graça, dos monumentos recém construídos que servem para emoldurar, ratificar as idéias de um palanque que a muito se acabou, mas que permanece a farsa através da retórica do discurso de que estou fazendo isso, trazendo aquilo, construindo algo que não serve de referencial ético e moral para ninguém.
Mas, é escrever para não morrer... Ou morrer. Escrever sobre a droga que avança sobre crianças, jovens e adultos, a droga letal com nome de craque francês. É mais fácil, muito mais fácil, me esconder atrás destas letras, palavras mortas que no mínimo só vão provocar algum constrangimento, do que fazer um levante, para ser bombástico algo como os sans culote fizeram, em defesa da aplicação dos recursos públicos em programas que recuperem, que dignifiquem, que gere emprego e renda, que crie perspectiva para nossos jovens amaldiçoados pelo crack. Mas, é mais fácil fazer uma praça da juventude, ou seria melhor fazer uma praça da paz celestial, para escamotear as mazelas de uma cidade atrás de canteiros gramados, bancos, anfiteatros e sei lá o que mais.
E, para não dizer que não falei das flores, é escrever para morrer mesmo, porque, mais do que uma crise existencial, do que o desejo incontido de querer “ser o que não pode ser”, ser o que não poder ser, ser o que não é”, é falar por pura teimosia de uma educação pública sem referencial, sem perspectivas, sem norte, sem ideal, sem ideologia que condena ao fracasso milhares de crianças da nossa terra, desde os mais longíquos rincões do município, que não são tão distantes assim, até a sede, com suas escolas municipais decrépitas, sem vida. Falar de que, se não for de uma educação sem educação, que não privilegia suas melhores cabeças, que coloca no ostracismo um mestre em Filosofia, uma Professora nota 10 e toda uma comunidade expulsa “por não querer o que não pode ser, ser o que não é”, por querer não se entregar por trinta moedas, pois na cidade é mais fácil acender uma vela para o diabo do que se colocar contra os abusos da hierarquia do poder familiar.
Não, definitivamente não é uma crise existencial, são os sonhos utópicos parecidos com os de um cavaleiro que olhava para moinhos de vento e enxergava inimigos imaginários. É o afã de um lunático, que luta por um mundinho de poucas centenas de quilômetros quadrados mais justo, digno e igualitário. Mas, como só enxergo moinhos de vento, vejo empreitadas diabólicas escorrendo dinheiro público pelo ralo e indo parar em contas imaginárias. E, nestas minhas ilusões quixotescas, vislumbro uma política napoleônica de apego a familiares de um “alcaide iluminado” que reservou para os seus, seis lugares no Olimpo dos barnabés.
Ver demais e morrer cedo, reservem para mim um epitáfio com as seguintes palavras: escreveu e morreu... Escreveu sobre um circo chamado casa do povo, onde os palhaços não são os que estão no picadeiro, e no centro das atenções, não são os edis, somos nós. Nessa trupe shakespereana “do ser ou não ser eis a questão”, quem representa é o povo que é representado pela angústia de uns poucos que não sabem de que lado estão. Continuando a encenação da trupe câmara-diana aplico a filosofia de Raulzito que é viva e constante, o prefiro ser essa metamorfose ambulante, para sobreviver apenas um instante. Posso cobrar o que não fiz, posso fazer o que não vou cobrar ! Sem falar em outras ilicitudes.
No fim, vai existir um fim sempre enfim, resta o que não resta e desta nem Montesquieu escreveria pois, nesta urbe, como em muitas outras, o espírito das leis não existe, e, é a lei dos espíritos que prevalece, pois é mais fácil ver um camelo passar no buraco de um agulha do que ver um Magistrado pelas ruas da cidade, ou a foto, só uma foto do Promotor atual conhecido do povo, sem falar em empregos de três dias por semana e de finais de semana sem proteção. Oh! Justiça, quanta injustiça.
É, encontro-me numa encruzilhada. Muitos estão numa encruzilhada.
... Morrer! Porque nada resta além de uma fé inquebrantável e absoluta, em que tudo se justifica, desde negar-se a si mesmo até à extenuação, ou morrer oferecido em sacrifício.
Iin: http://www.josesaramago.org/blog/blogpor.php


Texto de luladezéemidio
 
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